MARTE TEMÁTICA Esta peculiar imagem do deus da guerra foi realizada pelo artista para a decoração da Torre da Parada. Definir a data exata desta obra ainda não foi possível estabelecer até hoje. Na atualidade, considera-se que ela teria sido pintada no período que oscila entre os anos trinta e a década dos quarenta. O personagem aparece seminu, coberto com um elmo. Um escudo e parte da sua armadura se encontram a seus pés. A imagem é significativa pelo insólito de sua pose. Afasta o personagem da tradição iconográfica que corresponde a este tipo de representações. O artista retirou a áurea de distância e solenidade que a Antigüidade havia legado ao Renascimento. A divindade aparece pensativa. É possível que Velásquez tivesse escolhido um instante do mito que a iconografia costumava omitir. Marte está aos pés de um leito. Está seminu, porque Vulcano acaba de surpreendê-lo com Vênus. Perdeu sua galhardia, se sente humilhado diante do outro deus enganado. ANÁLISE TÉCNICA E ESTILÍSTICA O personagem ocupa boa parte do espaço que a tela oferece, acentuando a verticalidade da mesma. O instante representado pelo mestre lhe serve de pretexto para o estudo do nu masculino. A disposição do personagem tem certos ares michelangelescos. A mesma coisa não acontece com sua musculatura. Embora seja monumental, não tem a forte carga idealizante das obras do florentino. O cenário é impreciso. Na metade superior da tela, a escuridão recorta o modelado do deus. Esta escuridão contrasta com o jogo de panos sobre os quais marte está sentado. O artista esmera-se na execução das pregas dos tecidos. O colorido dos mesmos sobressai pelo efeito que provoca. As cores rosa e azul são matizadas com o branco e o preto. A luz incide diretamente sobre o corpo, contribuindo para o modelado da sua anatomia. O artista joga com os contrastes de luz e sombra, deixando na penumbra o rosto do deus. O claro-escuro continua sendo uma ferramenta de trabalho extraordinariamente expressiva. INTERPRETAÇÃO Esta composição é uma mostra mais da grande capacidade de inovação pictórica que o sevilhano possui. A renovação que aqui pode se observar não é de tipo formal. Velásquez escolhe como motivo um assunto mitológico. Isso era habitual dentro do panorama pictórico da Europa daquele momento. O que é raro é o tratamento que ele dá ao mesmo. A representação carece da dignidade idealizante que caracterizava este tipo de temática. Durante o Barroco se assiste a um processo que altera a iconografia típica das imagens solenes. Deuses e santos cedem em seu distanciamento, ganhando uma maior aproximação. Produz-se uma espécie de desacralização, em prejuízo do sentido heróico e ideal. Os personagens chegam a adquirir conotações vulgares e cômicas. Esta transformação é uma das notas estéticas que definem certo setor da arte barroca. O imediatismo e a espontaneidade da qual ela faz gala vão ligadas a um progressivo naturalismo.